quarta-feira, 4 de março de 2009

Paciência Samurai

Decidi de bom grado queimar meu filme completamente e detalhar um pouco do que gosto de chamar de processo do bom cochador. Não é erro de digitação não, não é coachador, não é de sapagem que estou falando, estou falando de cochar mesmo, aquela cigarreta clássica que nos funde ao fundo da alma do mundo.

Pra mim tudo começa com a obtenção de um bom fumo, mas realmente bom. Não digo isso só da boca pra fora, acredite, que quando o baseado está feio ou fedorento ou ambos, prefiro passar sem pitar, fico sóbrio mais que feliz, que não troco minha lucidez por uma bad-trip inevitável; pra mim fumo tem que ser bom, muito bom, ou pra lá de excelente, perdoe a sinceridade, senão prefiro mesmo ficar careta. Pois bem, achado o artefato sacrossanto, a pedra, os camarões, a resina, o que for afinal, começa a primeira etapa: limpar e debulhar a erva.

Pra tarefa de deixar a erva prontinha pra ser colocada na seda, exige-se uma atenção a detalhes mínimos, que normalmente nos deixa muito fulos quando perdemos às vezes beques inteiros porquê o dixavamento com descaso não deixou o lance carburar corretamente. Além disso, pra casos em que se tem mais ou menos dinheiro na mão, a pessoa vai variar o valor que ela dá pra cada microcristal do THC que ela conseguiu angariar, então tem gente que joga a ponta grande fora pela janela porquê acha que já deu praquele momento e tudo bem lançar fora porquê vai ter mais disponível sempre, ou crê que vai; e tem gente que tem técnicas avançadíssimas pra queimar pontas nos dedos ou com apetrechos só porquê é regido por uma noção suprema da importância de se economizar e usar bem a boa santa maria.

Limpar aqui não é exatamente limpar, exceto nos casos em que você acabou com uma parada meio sujinha e quis lavar mesmo com água pra tirar o famoso lendário amoníaco; sim, funciona lavar com água e secar a erva, fica bem melhor. Mas isto é exceção, como já disse que o negócio é ter boa massa. Limpar é tirar os galhos grandes, basicamente. Mas só os maiores mesmo, aqueles mais duros. Os galhinhos menores em geral prefiro picotar junto e lançar na seda, mas tem que tomar cuidado porquê um mínimo pedaço maior e mais rígido de um galhinho desprezado pode rasgar tua seda como uma lança atravessando tripas de donzela. Picote bem, bem mesmo, preferencialmente com tesoura ou tesourinha, é o que uso mais. É uma questão científica, os pedacinhos arrasados dos belôs têm de estar razoavelmente uniformemente pequeninos, especialmente se você estiver preparando um fino; quanto mais fino, mais precisa dixavar, mas cuidado ao usar papel de celulose, a tal leda nova, que aliás eu nunca gostei muito, porquê com elas uns pedaços maiores ajudam a não empelotar, também cuidado pra não apertar demais a celulose senão atravanca tudo, e enfim cuidado com a celulose.

Agora minha vergonha como faixa preta no assunto é só saber bolar o baseado perfeito com o uso de um cartão qualquer, ou documento de identidade, ou qualquer forma plana fina que ofereça a resistência necessária pra encaixar o enrolamento do dito cujo sobre e sob si mesmo. Natural, espalhe uniformemente a erva pela seda, e ajeite aos poucos o conteúdo formando a cobrinha amada. Encaixa ali o cartão ou enrole no dedo, aqui é sempre a experiência que vai contar, mas o que mais importa é que você nem aperte demais nem demenos.

Se estiver usando sedanapo de algum botequim, use sempre mais área de papel que o normal, dê uma boa engessada mesmo, que é pra evitar ele desmanchar bem na melhor parte. Deixe a baba secar por uns momentos, pra que possa manipular a cigarrilha sem arriscar quebrá-la com a umidade, e enfim dê aquela piladinha, tomando cuidado pra não entortar nada. Agora o passo mais crucial, que é o shiatsu, ou a massagem reikiana que é a finalização do processo do bom cochador, quando se tem certeza de que, se bem manipulado, o bêize irá carburar perfeitamente até sumir. Massageie levemente ao longo dele, notando se existem pequenos truncamentos e empelotamentos e vá deixando toda sua extensão levemente quebradiça, é esse o termo que parece explicar o que eu gostaria de indicar. O crucial é que em nenhum trecho do trajeto da fumaça por dentro do beque ela fique impossibilitada de passar. Esta atividade se repete ao longo da defumação dependendo de quão inexperientes são os participantes da roda, caso pequem segurando com força demais o delicado instrumento espiritual; caso ele volte muito molhado, assopre repetidamente a uma curta distância pra secar a piteira antes de fumar.

Outra dica importante, é que, ao fazer a piteira, segure-se-lhe entre os dedos por cerca de trinta segundos. O suor e o óleo dos dedos ajuda a fixar o formato da piteira, mas precisa-se segurá-lo parado durante um pequeno tempo. Piteira pra mim é um tipo de dobrazinha que se faz no lado do banza que a boca vai encostar; em geral não gosto de piteira de papelão, mas também não desaprovo o uso em casos de galeras que explicitamente não estão no estado certo pra lidar com a fragilidade duma piteira artesanal.

No mais, cuidado sempre com aquele primeiro do dia, que ele costuma fazer desandar toda vida que comporte qualquer nível de compromisso burocrático. Saiba também usar a goma a seu favor, evitando os crocodilos que se formam quando o povo fuma rápido demais; aplique uma fina camada de guspe mesmo logo abaixo da parte que está mais queimado, do lado que tostou mais rápido. A goma além disso controla a temperatura da brasa, mora? O que é importante caso você esteja querendo evitar problemas muito graves de destruição da garganta. Por hoje é isso, pessoal, e vamos encerrar com um bom link de youtube do Bob Marley, como não podia deixar de ser, uma versão acústica de Waiting in Vain, talvez minha canção favorita dele, acompanhada dum slide-show simples:

Nenhum comentário:

Postar um comentário